quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Eu me rendo


De frente pro mar. Com a esteira em cima da areia. Com a perna encolhida, minha perna dobrada, minha coxa de fora com a saia surrada.

Tecendo e marcando os pontos da renda. Minha renda rendendo, minha renda dobrada, estatelada. Ponto a ponto, paciência Maria que do seu lado tem mais tantas rendeiras como você, tão tristes como você.

Rendeiras que cantam, cruzam um ponto, choram e passam o outro. Rendeiras que esperam. Pacientes, esperam.

O meu homem lá no canto, furando a terra, buscando a água pra curar a secura. Meu Lampião na labuta.

Eu com os bilros de mão em mão, e um cheiro ácido de cajá. Ouço de longe um galo cantar enquanto um caminhão lotado de gente pega seu pau de arara pra fugir da seca. Um povo carregando coragem e vontade de trabalhar.

Se eu não tivesse tão seca como a terra, pedia pro meu homem pra gente ir junto. Pedia pra gente fugir daqui.

Mas é que a secura já ta em mim, e de mim não tem como fugir.

sábado, 2 de outubro de 2010

'uma noite longa, pra uma vida curta'

De cima do apartamento, lá no ultimo andar. O vento é mais forte, mais cortante.
O vento faz a cortina dançar bem clichê.
Os postes de luz da rua ficam la embaixo dando a impressão de que ninguém vai olhar tão alto que possa vê-la. Nem mesmo ouvi-lá. O poste ilumina os andares de baixo. O seu andar não.
Então ela acende aquele abajur velho. Daquela porcelana bege. Feio, mas ainda serve pra alguma coisa.

Enquanto um manhoso Chico canta lento. O abajur tão lento quanto o Chico se acomoda na mesa,bem do lado de um cinzeiro antigo que espera o fracasso dela para receber as cinzas de um cigarro novo.

Lya luft e Clarisse, tão esquecidas na prateleira do quarto. Até tinham bons conselhos para lhe oferecer. Mas ela se lançou no sofá como quem desistisse de lutar. Como quem quisesse apenas atrasar o começo do dia.




domingo, 26 de setembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

E depois, sem pedir licença me jogou dentro do apartamento.
Fechou a porta com um dos pés, enquanto o outro sustentava o meu e o seu corpo.
Conseguiu distrair minha ira e acelerar minha pulsação.
Abriu a camisa, chutou pra longe o sapato.
Me tirou a roupa, os sapatos e a fala.
Desenhou todo meu corpo com a sua língua. Me rabiscou com seus dedos.
Fechou a porta, foi pra rua pegar a outra. E foi com ela que ele foi embora.
Mudou o número, esqueceu meu nome, deixou a camisa.
Invasão domiciliar é crime, e talvez ele não saiba mas não se bole com sentimento de mulher.

domingo, 22 de agosto de 2010

Ela.

Ela permitia que lhe esfregassem e borrassem o seu batom. Mas nunca deixou uma gota do seu rimel escorrer.
Desde o dia em que se sentou no chão, se olhou de perto, se sentiu mulher, se fez segura... nunca mais deixou que em suas mãos, colocassem um anel.
Ela era amante, e sabia que para ser a outra é necessário ter vocação e frieza. E também ela já estava gelada demais para paixões.
Então ultrapassou limites, transcedeu regras.
Com ele não haviam palavras, passavam de silêncio absoluto para gemidos.
E era assim que deveria ser.
Estava tudo combinado, embora não tivessem dito se quer uma palavra.
Ela saia do salto somente se fosse para ir para a cama e acendia seu cigarro somente depois que ele fosse embora. Ele ia embora sem dizer quando voltava.
Até que ela decidiu ir embora, mas achou melhor nunca mais voltar.
Ela cansou de reticências, preferiu ponto final.
Um Cabernet lhe cairia bem. Lhe faria tirar da boca o gosto da noite passada.
Também lhe faria suprir a falta de cigarros. De drogas.
Qualquer atriz deveria entender que como o palco, hora ou outra sua cama também estaria vazia. Assim como o peito, o copo, os olhos.
É que depois de noites de equívocos, tudo fica meio picotado. E essa coisa de misturar sentimento com tesão lhe caia bem. Isso de arrancar pedaços, prender com as unhas, os dentes, as pernas...
Agora ela estava com sua última garrafa já pela metade, a taça encostada no rádio e o olhar caído. A maquiagem borrada e restos do cheiro de ontem. Não sabia muito bem o que fazer com as lembranças, então achou melhor deixa-las de canto e depois pensaria nisso.
Por hora, sua vontade era colocar na nuca os lábios molhados. E deixar ao pé do ouvido as palavras não ditas, as palavras malditas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Não sei a hora, a data.
Não tenho mais celular, endereço nem nome. Não atendo a porta, não abro a janela.
Eu preciso me zerar, me anular, me perder. E só depois tentar me achar.
Eu nunca soube administrar minhas perdas. Não engolia que algo podia ir pra não mais voltar.
Ainda abomino a ideia de me acostumar a ausência.Mas minhas ideologias foram destruídas por suas certezas. E agora o que tenho dentro e fora de mim é escuro.
Resta nos tímpanos um silêncio cômodo. Na mesa facas e garrafas pela metade.
Minha sede de tudo
é tanta que às vezes acabo sem nada.