domingo, 22 de agosto de 2010

Ela.

Ela permitia que lhe esfregassem e borrassem o seu batom. Mas nunca deixou uma gota do seu rimel escorrer.
Desde o dia em que se sentou no chão, se olhou de perto, se sentiu mulher, se fez segura... nunca mais deixou que em suas mãos, colocassem um anel.
Ela era amante, e sabia que para ser a outra é necessário ter vocação e frieza. E também ela já estava gelada demais para paixões.
Então ultrapassou limites, transcedeu regras.
Com ele não haviam palavras, passavam de silêncio absoluto para gemidos.
E era assim que deveria ser.
Estava tudo combinado, embora não tivessem dito se quer uma palavra.
Ela saia do salto somente se fosse para ir para a cama e acendia seu cigarro somente depois que ele fosse embora. Ele ia embora sem dizer quando voltava.
Até que ela decidiu ir embora, mas achou melhor nunca mais voltar.
Ela cansou de reticências, preferiu ponto final.
Um Cabernet lhe cairia bem. Lhe faria tirar da boca o gosto da noite passada.
Também lhe faria suprir a falta de cigarros. De drogas.
Qualquer atriz deveria entender que como o palco, hora ou outra sua cama também estaria vazia. Assim como o peito, o copo, os olhos.
É que depois de noites de equívocos, tudo fica meio picotado. E essa coisa de misturar sentimento com tesão lhe caia bem. Isso de arrancar pedaços, prender com as unhas, os dentes, as pernas...
Agora ela estava com sua última garrafa já pela metade, a taça encostada no rádio e o olhar caído. A maquiagem borrada e restos do cheiro de ontem. Não sabia muito bem o que fazer com as lembranças, então achou melhor deixa-las de canto e depois pensaria nisso.
Por hora, sua vontade era colocar na nuca os lábios molhados. E deixar ao pé do ouvido as palavras não ditas, as palavras malditas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Não sei a hora, a data.
Não tenho mais celular, endereço nem nome. Não atendo a porta, não abro a janela.
Eu preciso me zerar, me anular, me perder. E só depois tentar me achar.
Eu nunca soube administrar minhas perdas. Não engolia que algo podia ir pra não mais voltar.
Ainda abomino a ideia de me acostumar a ausência.Mas minhas ideologias foram destruídas por suas certezas. E agora o que tenho dentro e fora de mim é escuro.
Resta nos tímpanos um silêncio cômodo. Na mesa facas e garrafas pela metade.
Minha sede de tudo
é tanta que às vezes acabo sem nada.
Se dependesse de mim, morreria todas as noites. Amanheceria cada dia uma.
Adormeceria com remorso e amanheceria sem lembranças nem culpas.
Me livraria do erro, do passado.
Me livraria dessa minha inconseqüencia. Esse gosto por tudo que transpõe, sobrepuja, enlouquece.
Me livraria do gosto pelo perigo, desafio e lâminas.
Me livraria de você, me livraria de mim.