quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Eu me rendo


De frente pro mar. Com a esteira em cima da areia. Com a perna encolhida, minha perna dobrada, minha coxa de fora com a saia surrada.

Tecendo e marcando os pontos da renda. Minha renda rendendo, minha renda dobrada, estatelada. Ponto a ponto, paciência Maria que do seu lado tem mais tantas rendeiras como você, tão tristes como você.

Rendeiras que cantam, cruzam um ponto, choram e passam o outro. Rendeiras que esperam. Pacientes, esperam.

O meu homem lá no canto, furando a terra, buscando a água pra curar a secura. Meu Lampião na labuta.

Eu com os bilros de mão em mão, e um cheiro ácido de cajá. Ouço de longe um galo cantar enquanto um caminhão lotado de gente pega seu pau de arara pra fugir da seca. Um povo carregando coragem e vontade de trabalhar.

Se eu não tivesse tão seca como a terra, pedia pro meu homem pra gente ir junto. Pedia pra gente fugir daqui.

Mas é que a secura já ta em mim, e de mim não tem como fugir.